O Homem de Fez

Retrato de um homem de Fez,
pintura de Elinor P. Adams, 1908
Uma história muito interessante, trata-se da conversa entre um embaixador italiano e um comerciante muçulmano no final do séc. XIX:

"Hoje, eu tive uma animada discussão com um comerciante de Fez (Marrocos) para descobrir o que os mouros acham da civilização européia. Ele era um homem fino, com cerca de quarenta anos de idade e uma face séria e honesta. Fizera viagens de negócio às mais importantes cidades da Europa ocidental e vivera bastante em Tânger, onde aprendeu o espanhol. Perguntei-lhe que tipo de impressão as grandes cidades europeias lhe causaram. Ele me olhou duro e respondeu friamente: 'Ruas amplas, lojas finas, lindos palácios, boas oficinas, tudo limpo.' Deu a impressão, com estas palavras que mencionara tudo que era digno de louvor nos países europeus.

'O senhor não encontrou mais nada que seja belo e bom?', eu lhe perguntei. Fiz referência aos confortos da civilização européia...

'Isto é verdade', retrucou ele. 'Um pouco de sol? Uma viseira! Chuva? Uma sombrinha! Poeira? Um par de luvas! Uma caminhada? Uma bengala! Olhar em volta? Um par de óculos! Uma excursão? Um carro! Para sentar? Uma cadeira! Comer? Garfos e facas! Um arranhão? Um médico! Morte? Uma estátua!Vocês realmente são homens? Por Dios, vocês são crianças!

Ele chegou mesmo a mofar de nossa arquitetura, quando mencionei o conforto de nossas casas.

'O quê? Trezentos de vocês vivendo em um único prédio, um em cima do outro! Você tem de subir, subir, subir... Não há ar, nem luz, nem jardim!'

Então eu lhe disse que num domínio ele certamente reconheceria nossa superioridade, pois, em vez de ficarmos preguiçosamente sentados por horas com as pernas cruzadas, empregávamos nosso tempo em milhares de atividades úteis ou divertidas.

A isto ele deu uma resposta mais sutil do que eu esperava: não lhe parecia um bom sinal, respondeu, que sentíssemos necessidade de fazer tantas coisas para passar o tempo. A própria vida deveria ser uma tortura para nós, se éramos totalmente incapazes de nos sentar quietos por uma única hora, sem ficarmos mortos de tédio e tendo de buscar alívio em alguma distração ou conversa. Tínhamos medo de nós mesmos? O que era que nos atormentava?

Mas afinal, perguntei-lhe o senhor não trocaria sua situação pela nossa?

Ele pensou um pouco e respondeu. 'Não. Pois vocês não vivem mais do que nós, nem melhores, nem mais piedosos, nem mais felizes. Vocês deveriam nos deixar em paz. Não queiram que todos devam viver como vocês e ser felizes segundo seus padrões. Não é a toa que Deus colocou um mar entre o Norte da África e a Europa.

Trecho de Fez City of Islam de Titus Buckhardt.
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